TERRITORIALIDADES TRAÇADAS PELOS FLUXOS COTIDIANOS POPULACIONAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO

ÁREA TEMÁTICA: METRÓPOLES: MOBILIDADE, VIOLÊNCIA, DESIGUALDADE E VIDA URBANA

 

RESUMO

O projeto tem como objetivo o estudo da dinâmica interurbana da cidade de São Paulo, considerando as transformações socioespaciais, os fluxos populacionais, as manifestações culturais e os principais entraves à implementação de políticas públicas voltadas ao bem-estar urbano da população residente no núcleo da maior região metropolitana do Brasil. Pretende-se apontar, também, a importância das sedes metropolitanas para pensar o presente e o futuro da urbanização brasileira e identificar os mecanismos produtores de bloqueios e avanços das condições do bem-estar urbano e da vulnerabilidade social.

PALAVRAS-CHAVE: São Paulo, desigualdades sociais, políticas sociais urbanas, fluxos populacionais, manifestações culturais, territórios e alteridade

 

A organização social, cultural, econômica e política das grandes metrópoles mundiais são de suma importância para compreender e refletir sobre os desafios a serem enfrentados pelas grandes cidades, centros do poder econômico, social e político em diversas escalas. Diante das transformações tecnológicas, sociais, culturais e econômicas verificadas após a segunda metade dos anos 1970 – em especial as decorrentes da globalização e da reestruturação produtiva – observa-se que os núcleos das regiões metropolitanas, dos quais São Paulo é exemplo paradigmático, tornaram-se o locus essencial tanto das potencialidades como das contradições produzidas a partir daquele período. Em particular, os deslocamentos populacionais que se verificam no século XXI trazem para as metrópoles novos desafios na interpretação e enfrentamento de questões sociais, entre as quais a constituição de territórios, a produção da alteridade e o acesso a políticas públicas.

O projeto, de que esta plataforma é o resultado, pretendeu, por meio da pesquisa realizada, sugerir uma forma de intervenção de caráter mais propositivo e preventivo, construindo-se novas escalas de atuação das políticas públicas, com vistas à garantia do acesso à cidade e à cidadania, na perspectiva de acesso à proteção social e aos direitos sociais assim como às manifestações culturais visuais, musicais e literárias, dando visibilidade à outra ordem social possível.

LINHAS TEMÁTICAS

1. O direito à cidade: bem-estar urbano e desigualdades

A realidade existente na atualidade nas principais cidades brasileiras tem demonstrado expressivas desigualdades sociais manifestadas territorialmente, tendo em vista a manutenção do padrão clássico de organização social do território caracterizado pelo modelo núcleo-periferia, como as pesquisas do Observatório das Metrópoles têm comprovado (Bógus e Pasternak, 2015). Isso significa que as classes ou grupos sociais que apresentam as melhores condições sociais, em termos de renda, educação e posição ocupacional são aquelas que se apropriam dos espaços urbanos de melhores condições urbanas, em termos de infraestrutura e serviços públicos. Por outro lado, as classes ou grupos sociais que apresentam as piores condições sociais ocupam os espaços urbanos mais precários da cidade.

Considerando os processos em curso na cidade de São Paulo, é importante dar continuidade aos estudos sobre a segregação residencial e sobre as transformações na configuração do espaço intra-urbano, em termos das características da população residente e das principais carências nas condições de bem estar urbano. Foram selecionados para estudo os distritos do município que passaram por alterações importantes em sua composição populacional, ao longo da última década, considerando como variáveis centrais a ocupação, a escolaridade e o rendimento, obtidas a partir de informações censitárias. Partiu-se da hipótese de que as mudanças observadas nos perfis dos residentes são acompanhadas por ações dos agentes do mercado imobiliário (ligadas à valorização ou à desvalorização relativa) e pela oferta de infraestrutura, com impactos na posição dos bairros na “hierarquia social” da cidade.

Ainda no âmbito dessa linha temática, deu-se continuidade ao projeto desenvolvido durante os anos de 2011 a 2014 sobre os impactos da recepção da Copa de 2014 em São Paulo. Naquele momento, os dados confirmaram a expansão da fronteira econômica da economia globalizada sobre o território da Zona Leste da cidade de São Paulo, evidenciando o processo de reconversão de seu território historicamente industrial em território de serviços, sobretudo atividades meio. O problema de pesquisa desse subprojeto foi retraçar a história da industrialização da Zona Leste por meio da memória dos seus trabalhadores confrontando (encontro/desencontro/conflito) com a Zona Leste dos serviços que avança sobre o território.

2. Territórios, deslocamentos e imigrações na cidade de São Paulo

Esta linha temática se propôs estudar a territorialidade de imigrantes na cidade de São Paulo, desdobrando-se em dois subprojetos:

2.1 Territórios e deslocamentos na cidade de São Paulo

histórias e memórias de imigrantes portugueses Neste subprojeto tratou-se de pesquisar os territórios portugueses na cidade de São Paulo, a partir da análise da institucionalização dessa territorialidade focalizando a Casa de Portugal, Casa dos Açores e a Casa da Ilha da Madeira.

Para tanto, pretendeu-se recuperar a trajetória histórica destas associações (entendendo a prática associativa como uma prática de luta identitária), por meio de entrevistas orais com imigrantes que ainda frequentam as associações rastreando trajetórias individuais e coletivas, contribuindo para um melhor entendimento da história, da memória e da cultura que se inscreveu no espaço urbano paulistano. Assim, será possível compreender melhor como esses indivíduos colaboraram para as transformações na dinâmica urbana onde se inseriram.

2.2 Territórios, alteridade e acesso a políticas públicas de imigrantes bolivianos, africanos e haitianos

Este subprojeto se propôs analisar os grupos de imigrantes, notadamente bolivianos, africanos e haitianos que demandam recentemente a cidade de São Paulo, desvendando novos fluxos, sua motivação e sua localização na cidade, com destaque para a inserção no mercado de trabalho e de moradia, com ênfase para as relações de alteridade e de vulnerabilidade em alguns segmentos.

Em tempos de transmigração, o século XXI traz novas territorialidades, que se configuram cambiantes, bem como espaços ao mesmo tempo de segregação e apoio às redes de relacionamentos, pontes suportes aos costumes e cultura de origem, transformações da sociabilidade e construções identitárias. A situação de fronteira se aplica para determinados grupos na sociedade receptora quanto à produção da alteridade, à dificuldade de acesso às políticas públicas e à vulnerabilidade. A presença de indocumentados, dificuldade de língua, moradia e direitos trabalhistas, o não acesso a políticas sociais, a depender das especificidades do grupo imigrado, são alguns indicativos de vulnerabilidade.

O estudo envolveu, também, questões ligadas à interculturalidade e à etnicidade no contexto do direito à cidade e da situação urbana vivida.

3. Manifestações culturais com novas estéticas, novas proposições sociais e reinvenção do espaço público
 3.1 Manifestações culturais e seus novos fluxos retraçados pelos novos processos comunicacionais de uma nova estética

Nesta linha temática do presente projeto, busca-se analisar como as diversas manifestações culturais e seus fluxos distribuídos na topologia de São Paulo configuram especificidades identitárias, tanto dos lugares quanto de sua gente, e assim constroem modos de sociabilidade que dinamizam os vínculos sociais ao produzirem novos modos de atravessamento da territorialidade que corroboram para fazer emergir diferentes sentidos de pertencimento à cidade de São Paulo. A partir do levantamento das manifestações culturais e seus fluxos e da análise de sua produção de sentido, objetiva-se ainda desenvolver uma cartografia desses fluxos em escala metropolitana, de modo a contribuir para uma maior compreensão de como as suas dinâmicas interferem ou não na tessitura social.

Para examinar esta problematização, foi selecionado o seguinte corpus: os fluxos do vestir (compostos tanto pela venda e consumo de vestuário quanto pelos próprios corpos vestidos circulantes nas vias públicas, e até mesmo eventuais desfiles que ocorram, como os da Periferia Inventando Moda ou da Marcha do Orgulho Crespo, os fluxos da alimentação (venda e consumo de produtos alimentares que, em certos locais, promovem grande circulação de pessoas pela formação de um “círculo” gastronômico característico que projeta os grupos), os fluxos das novas mobilidades na urbe (modos de locomover-se pela cidade para além do carro, facilidades e entraves, práticas de vida a partir dos distintos modais, etc.), fluxos das manifestações plásticas da visibilidade (manifestações visuais como pichações e pixações, grafites, entre outros tipos de manifestações visuais dos mais variados formatos ocupando massivamente o espaço público, concentrados principalmente nas vias de alta circulação de pessoas), fluxos nas manifestações literárias (saraus com ou sem o apoio do poder público), fluxos das manifestações musicais e, por fim, outros fluxos dos coletivos criativos que tomando as ruas e rompendo os limites institucionais, encontram nas experiências coletivas da cidade, formas autônomas de ação em que as práticas criativas são utilizadas como dispositivos sociais e políticos.

3.2 O movimento de “ocupação artística” na cidade de São Paulo

Uma potencialidade de recriação de espaços públicos? Busca-se analisar especificamente a relação entre manifestações artísticas e a configuração de “espaços públicos”, na concepção de Hanna Arendt, espaços em que as pessoas se encontram para a procura em comum de resistência ao que as ameaçam, e na concepção de Espinosa , espaços ético/afetivos que favorecem o sentimento do comum (a capacidade de sentir e agir com o outro). Justifica-se tal abordagem pela necessidade de se analisar criticamente a qualidade ético-política das afetações que essas manifestações culturais promovem nos territórios. Marx já apontou que o entretenimento e o lazer são vitais ao metabolismo humano, mas também que eles podem operar como estratégia para aumentar a produtividade da força de trabalho e para o controle social. Outro risco que lhes é imputado é o de se tornarem novas formas de favorecimento da molecularização do social em guetos. Para tanto, elege como foco da análise o movimento autodenominado de “ocupação artística”, que se caracteriza pela crítica social e atua levando a arte á periferia, por meio da apropriação de espaços públicos ou privados, abandonados e ociosos, entendendo arte como um exercício de direitos humanos e de ação política revolucionária.

3.3 Jovens, cultura e política: urbanidades, fluxos, apropriações, usos

Os jovens formam um segmento populacional especialmente atingido pelas rapidíssimas transformações no panorama da sociedade brasileira, em particular, na vida cotidiana da cidade de São Paulo. Torna-se um desafio a busca pela compreensão de seus códigos e suas formas de viver, entrelaçadas pelo sentido de urgência e destemor, pelas tensões entre ousadias e desassossegos, esperanças e incertezas, inclusões e exclusões. Viver a/ na cidade de São Paulo e experimentar o inevitável conjunto de contradições – classe, etnia, gênero, capital cultural, condição/ situação de vida como refugiado – supõe o enfrentamento de barreiras de acesso e de mecanismos de exclusão, mas também a busca pelas possíveis brechas inclusivas.

É possível perceber nos últimos anos, um significativo protagonismo de jovens e coletivos juvenis, “mais ou menos” autônomos, “mais ou menos” institucionalizados que “soltam a voz”, definem lugares, marcam territórios e respondem por formas de ocupação – ora consentidas, ora insidiosas – dos espaços na metrópole. Interferem na questão urbana e permitem a emergência de conflitos entre as esferas pública e privada. Provocam tensões na relação entre institucionalidades e (des)institucionalidades e ampliam as possibilidades de ações e práticas políticas “fora” do âmbito estritamente institucional. Transformam espaços de preconceito e estigmas em “lugares seus”: lugares possíveis de empodaremento, de aprendizagem, de experiências ímpares; lugares de fronteira entre o conhecido e o que está para ser compreendido; lugares de fluxos, identidades/ pluralidades. Propõem novas formas de manifestação, que mesclam “participação” e “ativismo”. Expressam-se pela mescla entre cultura, estética, consumo e política e demandam novos referenciais de base epistemológica, teórica e metodológica para a sua compreensão e interpretação.

Busca-se, portanto, a construção de cartografias capazes de localizar/ interpretar os fluxos de produção, apropriação e uso por parte de jovens e coletivos juvenis na cidade de São Paulo, com ênfase para as formas de articulação entre ações/ manifestações culturais e políticas.

4. Fluxos populacionais relativos aos acesso às politicas de Assistência Social e Habitação

Esta linha temática tem como base as pesquisas realizadas pela Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais – CEDEPE/PUC-SP, bem como a prestação de serviços implementada no âmbito da gestão das políticas sociais (especialmente nas áreas da assistência social e habitação). Essas ações têm revelado, de forma instigante, as dificuldades e barreiras que impedem ou bloqueiam o acesso aos direitos e a efetiva inclusão social da população (e, em especial a população de baixa renda) a serviços públicos. A disponibilidade e oferta de serviços não são suficientes para garantir o acesso desse segmento, porque outros aspectos determinam a sua inserção e utilização das provisões ofertadas: configuração de necessidades, comportamento dos indivíduos e de suas famílias diante dos problemas, assim como a estrutura e as formas de organização dos recursos disponíveis. A organização do acesso aos serviços é uma das principais questões a serem enfrentadas, considerando-se os diversos municípios brasileiros, com graus de desenvolvimento sociourbanos desiguais, estruturas, organizações e instituições heterogêneas, além de diferentes agrupamentos populacionais em situações de maior ou menor grau de inclusão social. Há uma sorte de descompasso entre a lógica institucional dos serviços sociais públicos e das trajetórias das famílias que buscam o acesso aos serviços, bem como das lógicas socioterritoriais dos diversos distritos da cidade de São Paulo.

A presente pesquisa que pretendeu operar em uma dimensão mais fina de análise, acompanhando os trajetos cotidianos operados pela população nas suas práticas sociais e no acesso aos serviços sociais, sob as referências de acessibilidade e mobilidade, tendo como foco privilegiado de análise as políticas de assistência social e de habitação.

A construção da cartografia proposta por este projeto busca subsidiar os processos de elaboração de indicadores de monitoramento e avaliação de acessibilidade para tais políticas, na perspectiva da garantia de acesso à cidade e à cidadania, de forma mais alargada, do que a convencional referência de pertencimento pelo endereço domiciliar. Além do estudo das informações de caráter censitário, foi dada prioridade ao estudo do Cadastro Único, plataforma de dados sobre o público potencial das políticas sociais brasileiras (e especialmente utilizado nas políticas de habitação e assistência social), que apresenta um rico acervo de informações ainda pouco analisadas, do ponto de vista de sua conexão com os territórios de vivência das famílias cadastradas. Também se verifica que há um alto índice de mudanças de endereço dessas famílias. Dessa forma, a análise dos fluxos poderá teve como referencias iniciais os bancos já existentes de cadastro de famílias e de serviços, programas e benefícios sociais presentes nos territórios da cidade. A construção de um tripé entre a pesquisa de fluxos e barreiras de acesso, as diretrizes, normativas, arranjos organizacionais e oferta de serviços poderá auxiliar o desenvolvimento de ações para a ampliação do alcance de proteção social e a implementação de ações que efetivamente reduzam as desigualdades.

5. Espaço urbano, comunicação em tempo real e crise de mobilidade: significação social-histórica do rush como sintoma metropolitano da condição transpolítica

O presente subprojeto dedicou-se às relações entre espaço urbano, práticas de comunicação em tempo real e dimensão política da vida social, notadamente em períodos de rush nas grandes cidades contemporâneas. O foco exponencial da pesquisa é São Paulo, a maior cidade do Brasil e da América Latina e a terceira economicamente mais rica do mundo. São Paulo é o emblema territorial e sociocultural mais complexo de cruzamento simultâneo de todos os tipos de fluxo (de pessoas e animais, de mercadorias e coisas, de veículos individuais e coletivos, de informações e imagens, de negócios e interesses etc.). Em períodos de rush, vários desses fluxos experimentam não somente redução de velocidade e escala, mas também paralisia, com todas as consequências desfavoráveis. Sob o prisma da liberdade, rush de fluxos, por sua saturação extrema e reversiva, é crash metropolitano: o rush, momento maior de asfixia urbana, representa, no limite, inviabilização total da promessa sociocultural, politicoeconômica e ética da cidade como invenção histórica. No rush, enquanto a vida citadina ingressa em drama insolúvel e converte cada cidadão [que o constrói] em refém involuntário, a comunicação eletrônica, instantânea, reina, autoapresentando-se não somente como solução viável e autêntica, mas, paradoxalmente, definitiva; vale dizer, enquanto os processos metropolitanos entram em crash, a comunicação permanece absolutamente fluida, autolegitimando sua função estrutural na vida coletiva, para além de sua própria produção simbólica. O apogeu pantópico da comunicação eletrônica a partir do século XX, representado pelo excesso de sua presença numa tendência sociomediática que já não é nem local, nem global, mas antes glocal, é inseparável do acidente espetacularizado da mobilidade urbana, situado para além do ponto de sua possibilidade de reversão redentora: a exasperação metropolitana, pelo constrangimento de sua malha viária, alimenta a expansão diversificada dos processos sociotecnológicos de glocalização (de massa e interativa, incluindo recursos de georreferencialização), incrementando a reciclagem diuturna da espiral informativa a respeito.

Os objetivos principais do subprojeto foram (1) refletir sobre a significação social-histórica do rush de fluxos e de seu crash metropolitano, extraindo de sua existência fenomenológica e de sua natureza aparentemente fatal todas as consequências para a política institucional como instância pragmática razoável (e hoje impotente) de proposição de soluções adequadas às necessidades, vicissitudes e desafios de uma cidade cosmopolita como São Paulo; e (2) dissecar o papel da comunicação em tempo real nessa condição social-histórica, a partir do mapeamento das práticas glocais e recursos mediáticos envolvidos.

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